Hotel Lincoln

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Tínhamos acabado de fazer amor quando ela começou a chorar. Ela sabia que era uma despedida. E eu não conseguia disfarçar.

– Nunca mais vamos nos ver, não é? – ela pergunta soluçando.

– Provavelmente, não. – Evito encará-la.

– Por que você não pode me amar do jeito que a ama? Não sei o que fiz de errado. Por que você simplesmente não me ama?

Tomei-a  em meus braços, mas não respondi.

Nós éramos puro ódio. Ela não suportava nem cruzar comigo no corredor da empresa. Sua cara de desdém me dava nos nervos. Quando abria a boca para falar comigo era sempre para me atacar. Mal sabia que logo eu seria seu chefe. Prometi pra mim mesmo que iria fazê-la comer o pão que o diabo amassou. E fiz.

Meu ouvido doeu quando ela bateu a porta. Tinham acabado de anunciar minha promoção. Tornei-me gerente de vendas com apenas seis meses de casa. Não, não comi ninguém para conseguir o cargo. Apenas me foquei no trabalho e atingi minhas metas. Vendi mais seguro em três meses do que o resto da empresa em um ano. Eu merecia aquela mesa, mas precisava convencer minha equipe disso. Precisava convencê-la.

A filha da mãe não foi na primeira reunião que fiz e me obrigou a tomar uma atitude radical. Tirei-a de vendas e a coloquei como minha secretaria. Eu não podia demiti-la. A equipe provavelmente ficaria revoltada achando que eu era um carrasco. Então a solução foi deixá-la sofrendo na minha sala e bem longe dos outros funcionários. Não queria que ela falasse mal de mim pelas costas.

A primeira semana dela foi maravilhosa. Pedi um milhão de relatórios, café, orçamento de bloco de notas e mais café. Sempre forte, doce e feito na hora. Cheguei a pensar que ela ia pedir arrego, mas ela não pediu. Na verdade, ela fez tudo sem pestanejar. O que me fez olhá-la com outros olhos.

Ela parou de chorar. Achei que era uma boa oportunidade para ir embora, mas hesitei. Acariciei seus cabelos, ouvi sua respiração aumentando até que ela se levantou. Enquanto caminhava em direção a mesa para pegar água, pude ver o quanto é bonita. Sua pele parece veludo, seu corpo nu é uma obra de arte, 1,70m de carne malhada e bem definida – fruto de horas de ginástica. Seus cabelos negros e longos quase alcançam sua cintura. Ariane é uma mulher praticamente perfeita. Qualquer homem faria de tudo para ficar com ela. Menos eu.

– Quer um pouco de água?

– Não, obrigado.

– Desculpe-me por ter feito cena. Só não me acostumei com a ideia de não ter mais você.

– Eu que me desculpo. Queria poder lhe dar algo mais, mas não posso.

– Você vai encontrá-la quando sair daqui?

– Vou.

Em pouco tempo me destaquei no novo cargo. A empresa ia bem, conseguimos ampliar nossa carteira de clientes e aumentar o faturamento. Minha equipe estava motivada, eu estava motivado. Principalmente porque encontrei em minha inimiga a secretária perfeita. Formávamos uma ótima dupla, ela era meu braço direito e esquerdo.  Pensávamos parecido, ela completava meus raciocínios e me ajudava a liderar. Foi inevitável manter nossa cumplicidade apenas no escritório. Logo levamos nossa parceria para um quarto do Hotel Lincoln, a três quadras da empresa.

Não importava se era certo ou errado, fazíamos tudo na surdina. Tínhamos um quarto fixo, onde podíamos trocar confidencias, dar risadas e fazer tudo o  que não tínhamos coragem de fazer com outras pessoas. Vivíamos uma fantasia. Por um tempo ignoramos nossas vidas dentro e fora do escritório. Foram semanas agindo por impulso. Fomos irresponsáveis como dois adolescentes. Fizemos sexo como dois adolescentes. Nos sentíamos invencíveis, mas era hora de voltar à realidade.

– Olha, eu sei que é difícil explicar. Você deve me achar o pior cara do mundo. Mas eu não posso mudar o que sinto por ela. O que fazemos é errado.

– Você me usou.

– Nunca. Até hoje tudo o que fizemos foi sincero.

– Não minta pra mim. Você me odiava.

– Porque você encrencava comigo. Mas meu sentimento mudou. Você é minha melhor amiga.

– Amiga? Eu implicava com você porque já estava apaixonada. Por que acha que aceitei ser sua secretária?… Eu só queria ficar perto de você, seu idiota. Nunca quis ser sua amiga.

– Desculpe. Não sei o que dizer.

– Diga por que não pode deixá-la para ficar comigo?

– Não posso deixar o que ainda não tive. Hoje será nosso primeiro encontro. Sempre fui apaixonado por ela, desde a época da escola. Não posso deixá-la escapar e trair meus sentimentos.

– Sentimentos… Você nem sequer a beijou. Depois de tudo que passamos… mesmo assim prefere ela?

– Sinto muito.

– Nós somos uma dupla perfeita. Eu posso lhe dar tudo, posso largar tudo por você. Por favor, não vá embora. Este quarto de hotel é tudo o que importa. É nosso templo.

– Não faz isso. Não quero que largue nada. Tivemos algo especial, mas a vida segue do lado de fora deste hotel. Não é o fim do mundo.

– Pra mim é. Por favor, fica. O que ela tem que eu não tenho?

– Ela é livre.

– Eu posso ser.

– Não pode. Você tem marido e filho. Tem responsabilidades que a impedem de ser livre como eu, ou como ela. Sinto muito. Preciso ir.

Ainda vi as lágrimas escorrendo de seus olhos enquanto eu fechava a porta. Saí do hotel sabendo que aquela parte de minha vida ficaria para trás.

Ela não apareceu mais para trabalhar. Fiquei preocupado, mas ao mesmo tempo aliviado. Eu não poderia ser seu amante para sempre e não me perdoaria por destruir uma família. Sei que a fiz comer o pão que o diabo amassou, mas também sei que ela irá superar. Logo ela se lembrará de Lincoln apenas como o ex-presidente americano. E as paredes do quarto de hotel serão somente lembranças de um pequeno desvio em sua vida.

(Imagem reproduzida do site do hotel Lincoln em Chicago, USA)

12 comentários

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12 responses to “Hotel Lincoln

  1. Aldo

    Great! Gostei muito! Bem montada a história… parabéns!

  2. Tatah

    Como sempre, mandando muito bem nos textos Neto…história de que a única questão é ser LIVRE rs fazia um tempo que não passava por aqui rs, Parabéns e sucesso Sempre! bjs

  3. Paula Scramin O'hara

    Você escreve seus textos de uma forma que prendem a atenção, sabe com vontade de “quero mais”…Continue assim, parabéns, quero ler muitos mais ainda hein! Beijos no coração!

  4. Muito bom meu velho!!! Continue assim!!

  5. karyna lopes chaves

    Adorei muito bom…!

  6. Daniel Pinto

    Muito bom. Mas o autor precisa de tratamento… Rsrsrsr.. Parabéns Neto.

  7. Dany Bach

    Boaaaaaaaaaaaa!!!!!

  8. Karina Rodrigues

    Como sempre excelente! Parabéns, Neto.

    Beijos

  9. Pra variar, mais um ótimo texto! Estava com saudade das suas histórias.
    Quando tiver novidades, por favor me avise.
    Beijo!

  10. Cris Santiago

    Só quero saber quando você irá lançar seu livro. Já está na hora né?
    Parabéns, texto muito bem escrito como sempre.

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